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Ainda não fala? Como se comunicar em caso de afasia ou traqueostomia

Dificuldades de comunicação após o AVC

24/04/2023

O tema da II SEMANA AÇÃO AVC,  evento realizado pela ASSOCIAÇÃO AÇÃO AVC em 2022, foi AVC - UMA DOENÇA DA FAMÍLIA


A fonoaudióloga Ana Paula fala sobre as dificuldades de comunicação após o AVC.


Durante a fase de investigação clínica do paciente com suspeita de AVC o médico realiza testes para compreender como está a fala e a linguagem, esses achados são úteis para correlacionar as manifestações clínicas com a possível área do cérebro que foi acometida pelo AVC.

A comunicação é a capacidade de partilhar algo com o meio, é a forma de interagir em sociedade, dessa forma algumas habilidades se fazem necessárias e quando impactadas podem interferir no desempenho funcional e no cotidiano daqueles que apresentam dificuldades de comunicação.

Embora o termo comunicação seja usado de forma genérica para fazer referência à relação entre pessoas por meio da comunicação oral, sempre que vamos falar dificuldade de comunicação nos remetendo a distúrbios é preciso trazer à tona dois conceitos: linguagem e fala.

O primeiro tem relação com o universo simbólico, é aquilo que representamos mentalmente para nos expressarmos, ou seja, quando pensamos:

Estou feliz!

Essa manipulação de informações é no plano simbólico, para fazer isso se transformar numa expressão e compartilhar essa ideia com outro precisamos fazer ela de forma articulada materializando assim a fala ou de forma escrita, portanto linguagem e fala embora façam parte da comunicação, são habilidades distintas, com funcionamentos cerebrais que se relacionam, mas se comportam de forma diferente.

Os exames de neuroimagem nos mostram que áreas diferentes do cérebro são ativadas conforme a tarefa de comunicação, ou seja, ao ouvir palavras ativamos áreas diferentes daquelas ativadas quando emitimos, pensamos e escrevemos, dando, portanto, esse dinamismo que torna a atividade comunicativa tão complexa. 


Lesões cerebrais podem provocar alterações na fala ou na linguagem 

As dificuldades de comunicação são frequentemente referidas nas doenças neurológicas e assim também acontece no AVC tanto na fase aguda quanto na fase crônica da doença, as regiões acometidas por uma injúria cerebral independente do mecanismo ter sido hemorrágico ou isquêmico é que vão definir as manifestações de fala ou linguagem.

A possibilidade de reorganização espontânea de um sujeito frente a um evento neurológico.

Mesmo que haja lesão em regiões que processam a linguagem e a  fala, um sujeito pode apresentar manifestações leves ou mesmo não manifestar disfunções.

Existe também a possibilidade de um indivíduo que sofreu AVC mesmo tendo evidências clínicas de lesões em regiões da fala ou da linguagem não manifestar dificuldades, isso se dá pela capacidade neuroplástica que faz com que outras áreas que são vizinhas aquela função ocupem essa tarefa de forma funcional sem gerar disfunções com a gravidade que leve a expressão clínica.


Manifestações de dificuldades na linguagem oral

Afasia é um termo empregado para descrever um distúrbio de linguagem que está relacionado ao prejuízo neurológico em áreas específicas do cérebro, ou seja, onde se processa habilidade de natureza linguística levando a prejuízos e compreensão de expressão e muitas vezes de natureza mista.

Na maioria das pessoas o funcionamento da linguagem acontece no hemisfério cerebral esquerdo em regiões que podem levar a danos na comunicação quando acometidos pelo AVC.

As dificuldades de natureza expressiva nos quadros afásicos podem variar de um mutismo quando não existe a capacidade de se comunicar verbalmente até a fala telegráfica agramática, configurando uma disfunção na fluência da comunicação verbal.

Dificuldades como a anomia que, na verdade, é a incapacidade de trazer à tona o nome daquilo que quer falar ou mesmo a troca de alguns elementos na fala também são comuns nos quadros de natureza expressiva, configurando as afasias motoras.

Nas dificuldades de compreensão denominadas de afasia de compreensão ou de wernicke observamos o prejuízo no processamento da informação verbal que apresentada a alguém, ou seja, diante do comando simples ou de um comando complexo, o sujeito embora consiga ouvir, ele não consegue processar a informação verbal e realizar aquilo que está sendo solicitado configurando um prejuízo funcional.

Ambas situações de natureza compreensiva e expressiva podem ter um impacto na funcionalidade da comunicação, aumentando o nível de dependência e sobrecarregando os cuidadores do paciente com AVC.

As dificuldades de comunicação não se resumem aos quadros de afasia, muitas vezes existe a preservação das habilidades de compreensão e expressão oral se considerarmos o plano do processamento simbólico da comunicação, mas o que está prejudicado é o comportamento motor é como a fala vai se desenvolvendo.

Nessa situação estamos diante de quadro de disartrias que são distúrbios de fala de natureza teológica e essas dificuldades estão relacionadas a prejuízos na força, na coordenação, e na amplitude dos movimentos que estão relacionados à execução da fala.

Em pacientes que sofreram AVC é comum aquela fala laboriosa arrastada, muitas vezes com prejuízo na precisão articulatória, na intensidade da voz, no foco da ressonância com características em cima hipernasalidade, por vezes uma fala monótona, com seus prejuízos e natureza prosódicas interferindo também no comportamento da comunicação.


Impacto da traqueostomia na comunicação

Em casos mais graves de AVC, a comunicação também é prejudicada pela traqueostomia, necessária em situações clínicas de dependência ventilatória na fase mais aguda do AVC, com danos maiores referente ao tempo em que o paciente precisou ficar sob ventilação mecânica.

Simulação de traqueostomia em boneco - Ação AVC

Durante a fase de utilização da traqueostomia é possível observar uma fuga de pressão pela cânula dificultando, portanto, que o fluxo de ar passe para as pregas vocais e naturalmente trazem à tona a sonorização que é o que vai fazer a fala ganhar projeção.

Sem a intensidade vocal apenas haverá articulação da fala o que nem sempre é suficiente para trazer à tona uma comunicação eficiente.

A vulnerabilidade comunicativa no paciente com o uso de traqueostomia é real, pois muitas vezes existe uma preservação das habilidades linguísticas e das habilidades cognitivas inclusive no próprio mecanismo da fala, mas essa condição imposta pela presença da traqueostomia que naquele momento se faz necessário seja para viabilizar a ventilação mecânica, seja para garantir que a via aérea esteja pérvia por alguma situação clínica ou mesmo para oportunizar o acesso à higiene brônquica facilitando o manejo da secretividade pulmonar a traqueostomia traz esses prejuízos que podem ser pontuais ou podem ser definitivo a depender da gravidade neurogênica desse paciente que necessitou de traqueostomia.


O fonoaudiólogo é o responsável por essa tarefa, embora não o desempenhe sozinho, mas é um profissional habilitado para diagnosticar e reabilitar a comunicação humana, de modo que na rede de tratamento de pacientes com AVC, está prevista a participação do fonoaudiólogo nos diversos momentos de cuidados desde a fase da internação sendo inclusive um profissional obrigatório nas unidades de AVC.


Perspectiva de cobertura fonoaudiológica ao nível de enfermaria, nos ambulatórios e cuidados domiciliares 

Para que esse processo de reabilitação ocorra no tempo ideal da neuroplasticidade, contando também com a participação efetiva dos membros da equipe multidisciplinar que dá continuidade à rotina de tratamento, bem como da família e do próprio paciente afásico fazendo diferença para recuperação.

Uma vez diagnosticada a dificuldade de comunicação seja de fala ou de linguagem cabe ao fonoaudiólogo e a equipe que está conduzindo esse paciente encontrar caminhos para ajudar neste momento de vida de forma a oportunizar o maior nível de independência e de acolhimento familiar.

Deixo aqui a sugestão desse material elaborado pela sociedade Brasileira de Fonoaudiologia que compõem dicas sobre o manejo do paciente afásico desde as linhas de intervenção as possibilidades, as manifestações afásicas até as estratégias que podem ser adotadas no ambiente domiciliar, para viabilizar uma comunicação um pouco mais harmoniosa e diminuir a sobrecarga do cuidador.


Como posso ajudar?

A importância dos interlocutores e na comunicação, ou seja, o papel constante dos familiares, dos cuidadores formais, daqueles que estão em contato contínuo com o paciente afásico disártrico em uso de traqueostomia para haver possibilidade de se comunicar para além da palavra que se expressa oralmente é possível, portanto pensar em estratégias e comunicação não-verbais que tragam qualidade de vida e diminuem assim a disfunção na comunicação.


Ao falar com uma pessoa com afasia: Utilize frases curtas e simples. 

Algumas estratégias podem ser úteis para favorecer a comunicação com o paciente afásico, uma delas é falar de forma bem articulada utilizando palavras claras e frases simples.

Dessa forma é possível que você consiga se fazer compreender e naturalmente também servir de modelo para aquela pessoa que está com dificuldade de se expressar, mas também é preciso dar tempo para essa pessoa, com dificuldade de Comunicação, processar a informação que está sendo compartilhada, então na troca de turnos comunicativo respeite o tempo que pode ser maior para essa pessoa fazendo com que esse momento seja confortável para todos os sujeitos envolvidos.


Diminua os distratores durante a comunicação

Tirar a interferência ou reduzir a interferência da televisão, do rádio e do telefone que toca constantemente  ao tentar se comunicar com um paciente com afasia.

Esse ruído de fundo eventualmente atua como uma situação competitiva e desafia o cérebro a processar mais a comunicação. 

O uso de recursos visuais, figuras, jornais, fotos e figuras também podem ser úteis na comunicação com pacientes com dificuldades de comunicação. 

É importante encontrar  a melhor estratégia em conjunto, não existe receita de bolo, mas existe a oportunidade de otimizar a comunicação.

O paciente com afasia deve respeitar  seu tempo, deve entender que  sua comunicação pode não ser a mesma de antes, mas  pode ser eficaz se você conseguir desenvolver estratégias compensatórias baseadas na compreensão do que lhe ajuda e o que lhe atrapalha na comunicação.

Portanto, dê mais tempo a você mesmo para processar a sua comunicação, seja paciente com encontro das palavras com a necessidade de manipular a estrutura das frases com vocabulário que ainda não é o mesmo que você utilizava.

Tente  fazer compensações para que sua comunicação flua de forma harmoniosa, mas  deixe que as pessoas encontrem estratégias para se comunicar com você com base no que está acontecendo hoje.

Então deixe fluir e respeite o seu tempo!

Lembre-se que a comunicação não é feita apenas pela comunicação oral, faça uso, abuse dos gestos das outras possibilidades e comunicação, inclusive da comunicação escrita quando ela é possível, se permita teste, habilite recursos ao seu favor, muitas vezes isso só é possível contando com ajuda especializada, portanto procure um fonoaudiólogo se você tem dificuldades de comunicação relacionadas ao AVC.

O fonoaudiólogo é um profissional que está em uma rede de  atenção à saúde, seja ela privada ou  pública, procure um serviço que tenha um fonoaudiólogo em sua região e conte com a ajuda deste profissional que estará a postos para ajudar no diagnóstico e na reabilitação da comunicação.


Todos nós temos anseios e pretendemos nos relacionar com o meio que ocupamos, portanto, faça valer a sua intenção comunicativa, familiar e cuidador, de paciente afásico, de paciente em uso e traqueostomia, tente se colocar no lugar dessa pessoa e busque informações e tenha empatia com o momento.

Lutem Juntos por uma comunicação eficiente.

Lembre-se, comunicação é vida!!!


*Este vídeo faz parte da programação da II SEMANA AÇÃO AVC (evento destinado a pacientes e familiares de AVC, promovido pela Associação AÇÃO AVC).